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Faria alguma vez algum sentido, fosse a que propósito fosse (e aqui não há nenhum: há apenas um infantil e gratuito despropósito), desfazer o Museu Romântico da cidade portuguesa do Romantismo? 
Muito em resumo: a cidade-natal, de infância e de juventude do nosso primeiro e romântico-mor, o grande Garrett, que morreu em Lisboa doente de uma mal resolvida paixão fatal; a cidade do genial Camilo e do seu «Amor de Perdição» descendo da Cadeia da Relação onde foi escrito à Calçada de Monchique onde termina o enredo; a cidade até do lisboeta Herculano, que nela viveu muitos anos, que a adorava e respeitava mais do que à sua, e a quem se devem os numerosos códices e manuscritos medievais do acervo da Biblioteca Municipal, «roubados» a variadíssimos mosteiros do norte do país durante os «saques» liberais; a cidade de ultra-românticos como Soares de Passos, autor do célebre «Noivado do Sepulcro» do então fundado cemitério do Prado (do Repouso), antiga quinta do Prado; a cidade do naturalista ainda romântico Júlio Dinis, este ano fingidamente celebrado pelo mesmo novel «Museu da Cidade» que parece apenas existir para fazer fitas; a cidade do neo-romântico António Nobre, que dizia mal dela mas no último passeio antes da morte, numa caleche "da Ribeira até à Foz", só dizia ao irmão "Augusto, isto é muito lindo, não é?"; a cidade do ultra-ultra-romântico tardio Pascoaes, que também fingia não gostar dela (era uma relação amor-ódio, como a de Nobre, como a de Camilo), mas que nela passou uma década e se apaixonou perdidamente por uma inglesa numa viagem de eléctrico ao sair da Foz que só terminou já em Londres, barco apanhado no Porto de Leixões...; a cidade dos salões e dos serões, de Fanny Owen, de Maria Felicidade do Couto Browne, de tantas outras portuguesas-inglesas e portuguesas só; a cidade dos estouvados e da boémia, incluindo Camilo e o filho da «Ferreirinha», António Bernardo Ferreira; a cidade onde os moços iam para debaixo das janelas dos casarões da rua de Santa Catarina, de onde às vezes raptavam as donzelas ou semi-donzelas descendo por uma corda directamente para as selas dos cavalos; a cidade onde outros moços assaltavam os muros do convento de São Bento, actual estação de caminhos de ferro, para namorarem as freiras e lhes comerem os doces (e outras coisas) em cenas que não estão nos azulejos...; etc. etc. etc. E, claro, a cidade que o complexo príncipe romântico Carlos Alberto escolheu para morrer, altamente enamorado dela. 

Sendo portuense, é preciso ser ignorante q.b. para nunca ter ouvido falar de nada disto. Parece portanto uma pena que a autarquia e este pseudo-«Museu da Cidade», aparentemente forjado apenas para conceder um cargo, estejam entregues a. Desfazer a memória do romantismo no Porto não é só um atentado de arte: é sobretudo um atentado à História da Literatura Portuguesa; e sobre-sobretudo um atentado à cidade. Mais um. Mas mais grave, porque deliberadamente cometido por um executivo municipal que já não tem desculpa. Isto só tem um nome, e chama-se ou deveria chamar-se «crime contra o património», perpetrado por quem mais obrigação tem de o proteger.