livraria on-line

Livraria / Editora / Alfarrabista } { Porto bibliographias@gmail.com / 934476529

.

.

Raul Brandão, por Aquilino

Estou a vê-lo a subir o Chiado a passos lentos, dobrado e ficando ainda um homem alto, os olhos a azulejar em torno, um bom sorriso nos lábios, pronto a dar-se. Ia reunir-se à sua roda, na Livraria Bertrand ou no Café. Raul Brandão prezava o convívio dos amigos, por quem gostava de ser acarinhado, mas não provocava a blandícia. Com uma bonomia de velho capitão de porto, gozando os ócios e a reforma, sentava-se na Brasileira, geralmente ao fundo se havia lugar. O seu cristianismo era uma espécie de cancela franca, por onde passava cordialmente gente de toda a moral e condição, o rapaz de valor e o patarata, o patife e o honesto,o grego e o troiano. No âmago da consciência diferenciava como ninguém, e ia registando.
À sua mesa quem pagava era invariavelmente ele, como se fosse não uma devoção, mas uma prerrogativa. Era o troco em miúdos à admiração e vénia que lhe tributavam. Não figurava também de senhor da Nespereira?
De modo geral prestava orelha deferente a cortesãos e estafadores. Era homem que sabia ouvir. Quando intervinha, fazia-o com pausa, entrecortadamente. Dir-se-ia que andava longe. Talvez andasse, sim, pelos cemitérios, pela noite escura a arrebanhar fantasmas que haviam de representar no seu guinhol, prodigiosamente evocador. (...)
 
Não era rancoroso, e eu permitia-me nos meus verdores ser impertinente com ele. Por vezes, e era injustiça, punha-lhe na cabeça o carapuço do seu próprio Gabiru. Ele ria, tolerantíssimo, duma tolerância filosófica sem despeitos nem reservas. Era integralmente um santo homem, convencido da fatuidade do bem e do mal, de quanto o esforço humano é vão, e de que tudo à superfície da terra, a começar pela ciência e a arte, é uma espuma falaz. No entanto, a sua posição, sob o ponto de vista de cidadania, era a de combatente duma barricada. Desde que o conheci, e foi durante uma década de anos, não dei conta que se arredasse do parapeito. Batia-se pelos desgraçados, pelos humildes, pelos tristes, pelos que tinham fome e sede de sol, de simpatia ou de pão, simbolizados na mulher da esfrega, na Candidinha malfadada; batia-se e sofria pelos próprios maus, vítimas de uma sociedade iníqua e duma nefasta sina sem remissão. A sua gesta, no livro, na palestra, era a dum revoltado.
A obra de Raul Brandão é altivamente eloquente no que tem de social, por conseguinte de humano. A dor foi sempre o centro planetário da sua arte. Mas não a dor metafísica, pela qual se é fácil cavaleiro, mas a dor individuada, que nos torna solidários e responsáveis com o próximo. A par com esta feição toda evangélica, em literatura era um artista do impressionismo.
Os Pescadores e Portugal Pequenino são duas obras, irroradas de todas as tintas da Primavera e da candura da neve, do melhor que pode ostentar a língua.



[«Camões, Camilo, Eça e Alguns Mais». Percebe-se bem esta de "artista do impressionismo" se Aquilino nunca tiver passado os olhos pelo Humus...]

"Il faut être absolument moderne"

No ano em que se comemoraram 150 do nascimento de Raul Brandão, muito se falou da sua literatura como um modernismo alternativo ao canónico que cá teve epicentro em Lisboa - e que fatalmente ficaria na sombra devido a Fernando Pessoa. Este ponto de vista é curioso pelo que tem de curioso no que está certo, no que está errado e no assim-assim.

Primeiro, note-se que esta «sombra» é a do grande público e da Academia (mas já não da crítica). Porque, de resto, até se pode traçar um evidente paralelo entre a influência mais ou menos assumida que estes dois senhores exerceram respectivamente sobre a prosa e a poesia portuguesas ao longo do século passado.
Se não houve quase nenhum dos nossos grandes poetas que lhe foram posteriores a negar o estro de Pessoa, também não houve um só dos principais prosadores que não afirmasse de forma explícita a dívida a Brandão - Aquilino (que com ele fundou a Seara Nova e lhe terá facilitado a edição na Bertrand frequentada por ambos), Ferreira de Castro, Torga (veja-se o que Os Bichos herdam do Portugal Pequenino...), Vergílio Ferreira e Saramago, já para nem falar nos devotos Nemésio, Gomes Ferreira e Cardoso Pires, nem em senhoras como Agustina (que apesar de tudo deve ainda mais a Camilo e a Pascoaes, de quem parece um sobre-valorizado sub-produto) e a tão outra e inclassificável Gabriela Llansol, segunda grande aventura nas bordas da prosa portuguesa desde... Raul Brandão, pois. Ninguém, ninguém escapa.
E nisso, goste-se mais ou menos, não há discussão: Pessoa (não gosto muito) e Brandão (gosto de um modo imenso) são incomparavelmente os dois nomes de maior influência na literatura portuguesa do séc.XX e ainda talvez no que se leva até agora do XXI, apesar do Super-Herberto e de Saramago.


Segundo, este par serve de exemplo para demonstrar que, mais do que a Academia, o que mormente concorre para firmar o canône e estabelecer a fortuna da opera é apenas o investimento, desde o estadual (público) ao privado (editorial etc.). Sabe-se, embora pouco se fale, como Pessoa deve a fama ao «lobbying» que começou com António Ferro, em pleno Estado Novo, e continuou e continua com milhões de contos e euros - desde logo do erário público - após o 25 de Abril; promoção no Brasil cedo apoiada desde Casais Monteiro e Cecília Meireles. Isto quando o poeta era pouco mais do que desconhecido e Pascoaes, por exemplo, traduzido em várias línguas no estrangeiro e lá apontado para o Nobel - mas cá proscrito pelo Estado Novo e pela ortodoxia católica e vigiado pela PIDE por outras razões.
Claro: Pessoa vingou porque, além do mérito versejador, se presta ao gosto quase sempre fácil, popular, às vezes quase kitsch, parecendo nesse domínio imbatível e universal. Vingou principalmente onde não é moderno. Mas se também parece difícil pôr o leitor comum a mergulhar maravilhado no Húmus, parece facílimo pô-lo a gostar do nada moderno mas espantoso lado «solar» brandoniano, sobretudo esse tríptico extraordinário formado por Os Pescadores, As Ilhas Desconhecidas e Portugal Pequenino. Basta que os leia.


Terceiro, e quanto ao modernismo: "a angústia da influência". Fernando Pessoa, que de tudo lia e de tudo falava, nunca se referiu a Raul Brandão. Como não parece possível que o não lesse, tratando-se de alguém que publicava na Renascença e na Bertrand, fácil será perceber-lhe o silêncio. O Húmus é o livro mais influente de toda a prosa portuguesa do séc.XX - e, conforme já muita gente notou (por exemplo: os pessoanos Prado Coelho), influenciou desde logo o Livro do Desassossego.
Se na poesia, de um pré-moderno Cesário a um finissecular Pessanha, as influências de Pessoa são óbvias e assumidas, na prosa não. O que não significa que não estejam lá. Sobretudo neste caso, pode e deve falar-se de algo mais do que simples «influência»...
Mais: o Livro do Desassossego é escrito já bastante depois de Os Cadernos de Malte Laurids Brigge e pouco antes (na melhor das hipóteses) de As Ondas. O Humus sai pouco depois do primeiro e muito antes do segundo. Sublinhe-se este ponto, imaginando como seria se a Europa e o Mundo também o conhecessem...
 
       

Natal

Natal.
 
Está um dia fosco de neblina incerta e tristeza. Para lá as árvores despidas não bolem. A vida parou. As nuvens andam a esta hora a rastro pelas encostas pedregosas dos montes. Não se ouve um grito. Tudo na natureza se concentra e sonha. Há no entanto um grande rio envolto que nunca cessa de correr…
Longe pelos caminhos, através de pinheirais cismáticos e calados, vão velhinhas tristes, de saia pelos ombros, para consoar nessa noite com os filhos. Andam trôpegas léguas e léguas. As suas mãos calosas, as caras enrugadas, onde as lágrimas abriram sulcos, os olhos tristes, contam o que elas têm passado na vida, dias sem pão, suor de aflições, desamparos, maus tratos…
 
Os cavadores deixaram os arados mortos nos campos, que a chuva alaga. Que tudo repouse. O vinho de hoje conforta, como as lágrimas choradas pelas nossas desgraças, o lume de hoje aquece como o amor de nossas mães.
Nos soutos, sob a chuva que cai mansa e continua, andam pobres que não têm lenha, a arrancar uma raiz esquecida, para se aquecerem. Deus os tenha na sua mão de pai. Partem, chegam, vêm muito longe, para verem os seus meninos, matando saudades. Quase não comem e sustentam filhos, sustentam netos. Os velhos, que tem atrás de si uma vida de martírio e fomes, dizem:
– É hoje o maior dia do ano…



[Raul Brandão, Natal dos Pobres]

Raul Brandão — Os Pescadores

Livrarias Aillaud e Bertrand, 1924. In-8º de 326 págs. Br.
 
Um dos livros principais do escritor portuense, com capítulos dedicados a vários pontos da nossa costa marítima, de Norte (sobretudo) a Sul, e aos hábitos, costumes e tipos das respectivas comunidades de pescadores – de que constitui o mais belo monumento literário conhecido.
Terceira de várias edições saídas num mesmo ano, prova de leitura inusual para um livro português desse tempo.
 
Exemplar em brochura, bem conservado, apesar de algumas marcas (uma delas de perfuração) na capa.
 
15€

Raul Brandão ― Memórias I

Memórias (1.º Volume) (2.ª edição – 2º milhar)

Edição da «Renascença Portuguesa», Pôrto. (1919). In-8º de 332, [4] págs. Br.
 
O exemplar pertenceu a Abel Brandão, de quem tem repetida a assinatura no anterrosto e no rosto.
 
15€

Raul Brandão ― Memórias II

Memórias (Volume II / 1.ª edição)

Livrarias Aillaud & Bertrand / Paris-Lisboa. (MCMXXV). In-8º de 296, [2] págs. Br.
 
Exemplar com ligeiros rasgões e falhas de papel na capa; de resto, sem qualquer defeito significativo a assinalar.
Pertenceu também a Abel Brandão, de quem ostenta a assinatura, como de costume, ao alto da folha de rosto.
 
17€

Raul Brandão ― Vale de Josafat (III Volume de Memórias)

Seara Nova, 1933. In-8º de 286, [2] págs. Br.

Terceiro e último volume das Memorias, este de publicação já póstuma, e geralmente apontado como o melhor dos três; mesmo que Raul Brandão não tenha chegado a retocá-lo.

Exemplar francamente bom, salvo ligeiro desgaste da capa e um discreto carimbo de assinatura na folha de guarda.
 
28€

Vida Devota (V)

Valeu-me a pena viver? Fui feliz, fui feliz no meu canto, longe da papelada ignóbil. Muitas vezes desejei, confesso-o, a agitação dos traficantes e os seus automóveis, dos políticos e a sua balbúrdia - mas logo me refugiava no meu buraco a sonhar. Agora vou morrer - e eles vão morrer.
 A diferença é que eles levam um caixão mais rico, mas eu talvez me aproxime mais de Deus. O que invejei - o que invejo profundamente são os que podem ainda trabalhar por muitos anos; são os que começam agora uma longa obra e têm diante de si muito tempo para a concluir. Invejo os que se deitam cismando nos seus livros e se levantam pensando com obstinação nos seus livros.


[Raul Brandão, Memorias - Vale de Josafat]

Otto Kaus — Dostoïevski et son Destin

Dostoïevski et son Destin (traduit de l’allemand par Georges Cazenave)

Les Éditions Rieder / L’Églantine, MCMXXXI. In-8º de 282, [2] págs. Cart.

Primeira edição francesa.

Exemplar com cartonagem aparentemente «livre» que recuperou tiras da capa original.
 
8€

Dostoievski ― Obras Completas

Editora Arcádia Limitada (1964). 10 vols. in-8º gr. Enc.

Edição monumental abrangendo toda a produção conhecida do autor até à época; sendo os dois últimos volumes dedicados aos raramente traduzidos, e em Portugal então ainda inéditos, «Cadernos de um Escritor».
Todos os volumes encadernados pelo editor e revestidos invariavelmente da mesma sobrecapa em papel.
 
100€

Dostoievski ― Crime e Castigo

Crime e Castigo (Versão de Maria Franco e Cabral do Nascimento / 3.ª edição)

Portugália Editora, Lisboa. (1966). In-8º gr. de 513, [5] págs. Br.

Edição portuguesa publicada na colecção «Os Romances Universais».

Exemplar desvalorizado por um rasgão na capa.

10€

Dostoievski ― Les Frères Karamazov

Les Frères Karamazov (traduit et adapté par E. Halpérine-Kaminsky et Ch. Morice/Avec un portrait de Th. Dostoievsky)

Paris: Librairie Plon/E. Plon, Nourrit et Cie, Imprimeurs-Éditeurs. [S/d - 1888]. 2 tomos in-8º de [8], 291, [3] e [4], 332, [2] págs. Enc.

Primeira edição francesa, publicada sete anos após a original russa.

Ambos os volumes revestidos de encadernação relativamente modesta em percalina granulada feita pela Livraria Moraes para o Gabinete Francês, falha, como era então habitual, da capa primitiva de cada um.
 
40€

Dostoievski ― Os Irmãos Karamazov

Os Irmãos Karamazov (Tradução de Maria Franco / Introdução de Eliseo Vivas)

Estúdios Cor. 2 vols. in-8º de XXXI, [I], 385, [7] e 426, [10] págs. Br.

Capa de Luís Filipe Abreu. O texto introdutório do ensaísta colombiano é bastante extenso.

Ambos os volumes com assinatura de propriedade, o primeiro com dedicatória de oferta que suponho alheia a editora e tradutora.

15€

Dostoievski — Um clube da má-língua

Porto, Livraria Civilização Editora, 1936. In-12º de 237, [3] págs. Enc.

Uma das primeiras edições portuguesas do livro (com certeza a primeira em formato popular), publicada na conhecida «Colecção Civilização».

Encadernação da época, vulgar mas conservando a capa de brochura.
 
5€

Tolstoi — A Morte de Ivan Ilich

A Morte de Ivan Ilich, por (...) / tradução de Adolfo Casais Monteiro

Editorial «Inquérito», L.da, Lisboa. (1940). In-8º de 86, [2] págs. Br.

Não estando indicado, é de supor que Casais Monteiro tenha basado esta sua tradução nalguma francesa.

Exemplar regularmente manchado de acidez ao longo do volume.

5€

Tolstoi — Senhor e Servo

Senhor e Servo, por Leão Tolstoi / tradução de José Marinho ilustrada por M. Ribeiro de Pavia

Inquérito, Lisboa. [S/d]. In-8º de 118, [2] págs. Br.

Edição publicada na bonita colecção «Antologia dos Amigos do Livro».

Exemplar desvalorizado por uma pequena citação bastante feminista manuscrita a tinta na folha preliminar.
 
5€

Gorki ― Tempestade sobre a Cidade

Arcádia. (Lisboa. 1963). In-8º de 184, [2] págs. Br.

Edição publicada na «Biblioteca Arcádia de Bolso», com tradução indirecta a partir de uma versão francesa e capa de Sebastião Rodrigues.

Exemplar marcado por alguma acidez ao longo de todo o volume.

5€

Gorki ― A Mãe

Editorial Início. (1970). In-8º gr. de 468, [4] págs. Br.

Volume inaugural da série das «obras completas», reproduzindo a editada pela Academia das Ciências da antiga U.R.S.S., inclui um prefácio do editor português e um retrato de Gorki nas folhas preliminares. O romance, um dos primeiros e mais célebres do autor, fôra escrito ainda durante o período do exílio americano, em 1906.

Exemplar em bom estado geral, mas com algum desgaste na capa.

10€

Gorki ― A Mãe

o oiro do dia / porto. [S/d]. In-8º de 354, [6] págs. Br.

Tradução de Egito Gonçalves; com o habitual arranjo gráfico de Armando Alves. Reproduz um retrato do escritor numa folha destacada preliminar.

O exemplar apresenta ligeiro desgaste também na capa.
 
8€

Maximo Gorki ― Los Degenerados

Los Degenerados: El Matrimonio Orloff; Los Exhombres / traducción de Eusebio Heras

Barcelona: Casa Editorial Maucci, 1902. In-8º de 255, [1] págs. Enc.


Plausível primeira edição espanhola.

Exemplar da série com uma bonita encadernação do próprio editor, em percalina, gravada a ouro e a seco.

14€

Soljenitsin ― Os Direitos do Escritor

Os Direitos do Escritor (Tradução de T. C. Netto)

Brasília Editora, Porto. [S/d]. In-8º de 114, [4] págs. Br.

“Este livro é um libelo contra a imposição de directivas à criação literária, contra o cerceamento da expressão do pensamento e contra os atentados aos direitos básicos do escritor na sua dupla condição de homem e artista”, assim apresentava o editor a edição – que tem como principal interesse a entrevista que abre o volume, concedida ao escritor checo Pavel Lichko, e a transcrição das intervenções havidas na União dos Escritores Soviéticos que censurava este seu mais ilustre membro; além de cartas várias do escritor.

Exemplar por estrear.

8€ 

Soljenitsin ― Como Reordenar a nossa Rússia?

Como Reordenar a nossa Rússia?  (Reflexões na medida das minhas forças)

edição Livros do Brasil, Lisboa (1991). In-8º de 145, [15] págs. Br.

Edição portuguesa publicada na colecção «Vida e Cultura» logo um ano após a original, de 1990 - em pleno rescaldo da «Perestroika», que justifica este conjunto de textos divagando sobre ciência política, a história concreta do regime soviético e propostas de organização político-social para os tempos que se seguiriam.
Exemplar por estrear.

7€ (reservado)

Antologia da Poesia Soviética

Antologia da Poesia Soviética (Tradução directa do russo, selecção, prefácio e notas de Manuel de Seabra)

Editorial Futura/Carlos & Reis, Lda. – Lisboa, 1973. In-8º quadrado de 247, [17] págs. Br.

Foram alguns dos antologiados (de todos apresentada no final «Informação Biobibliográfica») Mayakovsky, Ilya Ehrenburg, Akhmatova, Tsvetayeva, Pasternak, Olga Bergolts e Simonov. O prefácio de Seabra é uma pequena panorâmica da evolução do idioma e da literatura (e poesia, em particular) russa desde o séc.X.

Exemplar valorizado por dedicatória de oferta do tradutor/editor.
 
20€

Stepniak ― A Russia Subterranea (Traducção auctorisada)

Porto – Typ. Peninsular de Monteiro & Gonçalves em Com.ta (24-Rua de S. Chrispim-26 ou Rua dos Mercadores, 171) – 1903. In-8º gr. de 191 [aliás, 188] págs. Enc.
 
Esta «Edição do «Despertar»», impressa sobre papel de jornal e provavelmente clandestina, é raríssima (nunca antes a vira, nem conheço qualquer menção em catálogos de bibliotecas ou livrarias – apenas há registo de uma lisboeta, pela Castro & Irmão, em 1882); tendo por principal interesse os perfis que apresenta de revolucionários russos, vários deles já então condenados à morte e mortos.
 
Exemplar guarnecido de modesta encadernação em percalina verde, que não conservou – supondo que a houve – a capa de brochura.
 
15€

Jean Jacoby ― O Czar Nicolau II e a Revolução

O Czar Nicolau II e a Revolução (O reinado trágico do mais caluniado dos monarcas) / Tradução do Dr. Pinheiro Torres
 
Porto: Editora - Educação Nacional. (1933). In-8º de 364, [4] págs. Br.
 
Presumivelmente a primeira edição portuguesa (integrada na série «Os Grandes Estudos Históricos») deste tendencioso ou incipiente trabalho, publicado de origem em 1918, com os seguintes capítulos: «O Czar Nicolau II e o seu reinado», «A preparação da Revolução», «A queda do Império», «O cativeiro», «A tragédia de Ekaterinburgo», «A lenda». Apesar de tudo, apresenta alguns apontamentos de interesse.

Exemplar com marcas de acidez na capa.
 
6€

Étienne Buisson ― Les Bolchéviki (1917-1919)

Les Bolchéviki (1917-1919) / faits – documents – commentaires
 
Paris: Librairie Fischbacher – 1919. In-8º de XX, 235, [1] págs. Br.
 
Foi um dos primeiros trabalhos de fôlego a serem preparados ainda no rescaldo da revolução, com a desconfiança de base que era comum a quase todos, embora aqui mais rigorosa, menos preconcebida; e é sobretudo importante pelo exaustivo panorama que apresenta do quadro político-partidário russo, descrevendo cada uma das principais formações e as várias tendências de cada uma delas. 

Exemplar da edição original das várias já publicadas (este mesmo ano o livro voltou a sair em França).
 
25€

Marc Ferro ― A Revolução Russa de 1917

Publicações Dom Quixote (1972). In-8º de 153, [7] págs. Br.
 
“Marc Ferro foi o primeiro historiador ocidental autorizado a consultar livremente na U. R. S. S. os Arquivos da Revolução. Esta sua obra apresenta as conclusões que ele próprio expôs, a convite, ao Instituto de História da Academia das Ciências de Moscovo” em pleno consulado de Kruschev, naturalmente (década de 60).

Ferro dividiu o seu trabalho – muito pouco crítico; às vezes, mesmo cientificamente, quase ingénuo; e pouco conhecedor dos meandros político-partidários russos do entresséculo em causa – nas secções principais «A falência do antigo regime», «A queda do czarismo», «O novo regime e as aspirações da sociedade russa», «Primeiras decepções: a crise de Abril», «O fracasso da coligação», «A crise do Verão de 1917», «A kerenschina» e «Os bolcheviques tomam conta do Poder»; a que se seguem reproduções dos documentos, exposições hermenêuticas várias, cronologia e bibliografia, etc.
Algo mais do que uma curiosidade é o facto de o tradutor da edição original francesa (1967) para esta primeira portuguesa ter sido o poeta Ruy Belo.
 
10€

Pierre Croidys ― O Império dos Sem-Deus: romance de costumes soviéticos

O Império dos Sem-Deus: romance de costumes soviéticos (Ilustrações de Grand’Aigle / Primeiro prémio de romances em língua francesa no Concurso Internacional de romances sôbre o Bolchevismo / Tradução de Moraes Leal)

Lisboa, Livraria Bertrand. S/d [193_]. In-8º de 317, [3] págs. Enc.

Primeira edição portuguesa do livro, com a reprodução em folhas destacadas (não numeradas, mas contadas na paginação) das ilustrações de Grand’Aigle constantes da edição original. Encadernação da época, simples, sem capa de brochura. Exemplar em bom estado, não tendo qualquer defeito de relevo – salvo uma assinatura, a tinta, de anterior propriedade.
 
8€ 

Léon Leneman ― La tragédie des Juifs en U.R.S.S.

Desclee de Brouwer (1959). In-8º de 325, [3] págs. Br.
 
Escrito por um judeu que ao fugir da Alemanha nazi para a URSS acabou por logo ir parar na mesma a campos de trabalho forçado, o livro dedica capítulos a casos particulares como o de Ilya Ehrenbourg.
 
Exemplar mediano.
 
10€

URSS ― 50 Anos Depois

Publicações Dom Quixote. (1969). In-8º de 171, [5] págs. Br.

“Pouco mais de 50 anos decorreram já sobre a Revolução de Outubro de 1917 na Rússia czarista. Foram radicais as transformações operadas nesse país, que passou do subdesenvolvimento à situação de superpotência mundial”. O volume recolhe textos publicados em vários periódicos da imprensa internacional por Werth, Mikhailov (especialmente interessante, este, com dados curiosos acerca das geografias física e humana da União), Liberman, Victor Fay, Eliutine, Soljenitsine – «Carta ao Congresso dos Escritores Soviéticos», denunciando a Gravlit, a censura política a vária literatura do país (muitas vezes, incluindo perseguições pessoais, citados os casos de Akhmatova, Tsvetaieva, Pasternak e Grossman, entre outros), e o acovardamento da União dos Escritores perante ela –, P. J. Franceschini, Deutcher e Bernard Féron; de todos eles apresentando, no final, uma breve notícia biográfica. Integrado na série «cadernos d.quixote».

6€

A URSS vista pela sua própria imprensa

Lisboa, 1976/p&r, perspectivas & realidades. In-8º de 181, [3] págs. Br.

O livro – dividido pelas secções «Trabalho», «Segurança Social», «Justiça», «Educação», «Agricultura» e «Política» – é apresentado por um lúcido prefácio de José Martins Garcia (apontava baterias “para o fiasco do empreendimento soviético, para o seu contributo às formas de escravização do Homem”, denunciando a “«sociedade sem classes» onde existe um partido todo-poderoso, senhor da energia nuclear, da máquina informativa, do planeamento económico e das pastilhas culturais a serem ministradas ao povo”) e pelo «Esclarecimento dos Tradutores» (Francisco Ferreira, o «Chico da CUF», e Maria Martinez Llistó), que afirmavam: “os materiais contidos no presente revelam a realidade soviética autêntica. Os jornais soviéticos não exageram. São insuspeitos no caso. E dizem o menos que podem dizer; o máximo que a severa «Glavlit», censura soviética, deixa passar. Apenas uma gota da verdade”.

5€

Francisco Ferreira ― 26 anos na União Soviética

26 anos na União Soviética: notas de exílio do «Chico da C.U.F.»

edições afrodite / fernando ribeiro de mello (1976). In-8º de 332, [12] págs. Br.

Uma nota editorial logo na abertura indicava terem sido já publicados desde Janeiro quase 30.000 exemplares do livro, a que se somariam os 10.000 desta quinta tiragem (em Abril); o que, a ser verdade, terá constituído um dos maiores casos de sucesso comercial da Afrodite. Capa, como habitualmente, de Henrique Manuel e prefácio de José Augusto Seabra – que contava alguns pormenores biográficos sobre o amigo, o modo como se conheceram e estreitaram relações na Rússia e até as aptidões literárias que via no que fôra já seu co-tradutor dos livros de Soljenitsin. De resto, o volume reproduz documentos vários e interessa sobretudo ao conhecimento (crítico...) da ex-União e de alguns episódios do clandestino P.C.P., quase sempre envolvendo o também exilado na U.R.S.S. Álvaro Cunhal.
 
10€

Jean-Paul Sarte ― El Fantasma de Stalin

El Fantasma de Stalin (Traducción del francés por Hugo Peñas)

Santiago Rueda – Editor, Buenos Aires. (1958). In-8º de 147, [5] págs. Br.

A edição original saíra em França um ano antes, na sequência da invasão da Hungria pelo Exército Vermelho que deu mote a este longo e digressivo ensaio – escrito por um apaniguado, e por isso não muito veemente, mas ainda assim acabando por condenar o ataque das tropas soviéticas “contra um país aliado (...) quando fazem os seus soldados, esses seres abstractos, atirar sobre operários que já não podem aguentar a sua miséria, quando, sem tomar em conta as exigências concretas da situação, decidem a sua acção em função das incidências que possam ocorrer em outro lugar, em outros países, (...) transformam o socialismo numa quimera e a U.R.S.S. numa nação predadora”.
Volume impresso sobre bom papel levemente avergoado, que o exemplar – apenas um tanto marcado na capa – conserva quase imaculado.
 
10€

Óscar Lopes ― Convite para a URSS

Editorial Inova / Porto. [S/d > 1972]. In-4º esguio de 101, [23] págs. Br.

Aos capítulos «Do Mito ao Real», «Moscovo: Impressões Iniciais e seu Desenvolvimento», «Moscovo: Perspectivas de Futuro», «Nível de Vida», «Cultura Popular», «Vida Editorial», «Escolas Soviéticas» e «Relances Finais» acrescem a resposta do autor ao questionário de Proust e uma relação da sua já longa bibliografia até à época, entre originais e traduções.
 
12€

Óscar Lopes ― Setembro na URSS

Setembro na URSS (1972-1974) / 2.ª edição

Editorial Inova/Porto. (1975). In-4º esguio de 138, [22] págs. Br.

Indicada esta como a segunda edição, é antes uma propriamente nova de «Convite para a URSS», publicada poucos anos antes pela mesma editora depois da primitiva viagem do autor à antiga União; explicando Óscar Lopes ter aqui actualizado e completado, após uma segunda viagem, esse livro inicial, acrescentando-lhe além disso todo um novo último capítulo («Setembro 1974: Diário Cruzado»). Capa e arranjo gráfico de Armando Alves, tendo aquela sido composta na Litografia Pátria e o volume impresso na Casa Nun’Álvares.
 
7€

«A Literatura e o Mal» vs. A Política e o Mal

" (...) O desvio entre Dostoiewski e os marxistas é devido a uma consideração diferente do que é o mal. Para os marxistas o mal é a usurária, ou seja a burguesia. Dostoiewski, tendo primeiramente aceitado esta tese, repudia-a e chega à conclusão cristã de que o mal não é tanto a usurária quanto o meio usado, isto é, a violência. Este mal de Dostoiewski, no romance, não é somente representado pela morte violenta da usurária, mas também e sobretudo pela outra, da inocente e piedosa Lizaveta, irmã da usurária, que Raskolnikov mata, para suprimir uma testemunha do seu crime. Afinal, para os marxistas, na realidade o mal não existe desde que se trate unicamente de um mal social que pode ser liquidado com a revolução. Em vez disso, para Dostoiewski o mal existe como facto individual no coração de cada homem e exprime-se exactamente nos meios violentos dos quais se serve a revolução. Os marxistas lavam com a justificação histórica e social mesmo as consciências mais negras, Dostoiewski nega esta lavagem e afirma a existência inalienável do mal.
Assistimos portanto na U.R.S.S., de há noventa anos para cá [sic], a uma espécie de match entre Dostoiewski e Marx. O primeiro round foi ganho por Dostoiewski na medida em que escreveu uma obra-prima; o segundo por Marx, pelo facto de as suas teorias terem desencadeado uma revolução; mas o terceiro round parece ter sido ganho por Dostoiewski; o mal expulso pela janela pelo marxismo reentrou em torrente na U.R.S.S. pela porta do estalinismo, ou seja, dos meios usados pela revolução para se afirmar e se manter. E que coisa é, este mal? Disse-o Kruschev no seu discurso, assinalá-lo-ei mais brevemente: o mal na U.R.S.S. são as numerosas Lizavete, ou sejam, os numerosos inocentes torturados, aprisionados, mortos em nome da revolução e que agora são reabilitados, mas aos quais não se poderá jamais restituir a vida que lhes foi arrancada. O mal, em conclusão, é a dor, a imensa quantidade de dor que submergiu a Rússia nos últimos cinquenta anos. (...)"
(Alberto Moravia, Um Mês na U.R.S.S.)
 
Notas:
a) Não foi pela porta do estalinismo que o mal descrito por Moravia entrou/reentrou. Sabemos hoje que já tinha entrado antes
b, mais interessante) Moravia era comunista.