23 de Novembro: dá-se esta curiosa circunstância de o poeta maior do século XX e o maior poeta português da mesma centúria terem nascido no mesmo dia. Paul Celan faria hoje 100 anos e Herberto Helder 90. A curiosidade aumenta se tivermos em conta que o segundo era leitor devotado do primeiro, e que o conhecimento de Celan em Portugal é em boa medida a Herberto que se deve (podemos falar por nós).
Uma dupla homenagem, com prioridade ao senhor de quem hoje se comemora o centenário, e de quem acaba de sair na Antígona a correspondência trocada com a alemã Ingeborg Bachman. Se se despacharem, talvez ainda consigam obter da Cotovia - que neste mesmo Novembro encerrará actividade - algum exemplar de «Sete Rosas Mais Tarde: antologia poética», «A Morte é uma Flor» e «Meridiano», os três fundamentais volumes que editou em Portugal com versões de João Barrento e Yvette K. Centeno.
De Celan vamos aqui deixar um dos seus primeiros e ainda não tão interessantes poemas (deu título ao primeiro livro: Papoila e Memória), o agora apropriadíssimo «Corona» (outra coisa curiosa: reparem como começa e como termina a composição...). A rápida tradução é nossa, ontem, domingo.
"O Outono vem comer a sua folha à minha mão: somos amigos.
Descascamos das nozes o Tempo e ensinamo-lo a andar:
o Tempo regressa à sua casca.
No espelho é domingo,
no sonho adormecemos,
a boca diz a verdade.
Meu olhar desce ao sexo dos amantes:
olhamo-nos,
dizemo-nos a escuridão,
amamo-nos como papoila e memória,
dormimos como vinho nas conchas,
como o mar no brilho-sangue do luar.
Ficamos abraçados à janela, as pessoas vêem-nos da rua:
é bem tempo de saberem!
É tempo de a pedra se resolver a dar flor,
de o desassossego palpitar num coração.
É tempo de o tempo ser.
É tempo."