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Cruzeiro Seixas [1920-2020]


Morreu ontem Artur do Cruzeiro Seixas, último sobrevivente do grupo/anti-grupo surrealista que deu ao século XX português um dos seus principais artistas e dois dos seus melhores poetas (António Maria Lisboa e Cesariny), além por exemplo do corrosivo contista Mário-Henrique Leiria; e a cujas mesas de café se sentou depois aquele que viria a ser o seu poeta maior, Herberto Helder. Quer nas letras e nas artes, quer na ética e na estética, esse conjunto de rapazes lisboetas, essa quase mítica «geração» (com actividade ir-regular até 1953, ano da morte temporã de A. M. Lisboa), foi a que mais influenciou e mais importância teve para um ror de lusa gente das várias gerações seguintes, o livreiro incluído. Acabou ontem? Não acabou ontem. Não é para acabar, é para transmitir de geração em geração. Lá fora, em França, foi a de Artaud, Breton, Char, Desnos, etc. (ordem alfabética). Nós tivemos esta duas décadas depois, e para tão tacanho meio pode considerar-se milagre.

Além de pintor (ou "homem que pinta"), desenhador e compulsivo variadíssimo artista gráfico, Cruzeiro Seixas foi também um bastante produtivo poeta - cujos poemas muitas vezes parecem a tradução lírica da sua própria plástica. 
Fique o que segue para demonstração, com a nossa homenagem.

"Era um pássaro alto como um mapa
e que devorava o azul
como nós devoramos o nosso amor.

Era a sombra de uma mão sozinha
num espaço impossivelmente vasto
perdido na sua própria extensão.

Era a chegada de uma muito longa viagem
diante de uma porta de sal
dentro de um pequeno diamante.

Era um arranha-céus
regressado do fundo do mar.

Era um mar em forma de serpente
dentro da sombra de um lírio.

Era a areia e o vento
como escravos
atados por dentro ao azul do luar."