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O Porto em Quarentena

Todos temos lido nestes dias muitas reportagens e foto-reportagens sobre um Porto em quarentena "como nunca esteve". Será que não? Em quarentena, já esteve, e bem mais severa. A diferença é que as pessoas podiam sair à rua...
 
Há cerca de 120 anos, no Verão de 1899, o burgo viu-se assolado por uma epidemia de peste bubónica (terceira vaga da velha conhecida «Peste Negra» também com origem, para não variar, na China). Começou no coração da Ribeira e rapidamente se foi espalhando sobretudo pelos bairros operários mais modestos. Chamado a auscultar, o nosso patrício Ricardo Jorge, director dos serviços municipais de saúde e já à época especialista máximo em todo o país, tomou as devidas anotações e medidas, das quais deu conta ao governo. Entre muitas hesitações, o progressista («mutatis mutandis» o correspondente ao socialista de agora) primeiro-ministro José Luciano de Castro acabou por decretar o isolamento forçado da cidade, com um cordão sanitário que começava em Matosinhos, seguia o rio Leça (São Mamede, Ermesinde, etc.) e dava a volta pelo Douro (Oliveira do Douro e Avintes) até chegar ao mar, mais ou menos entre as actuais praias da Madalena e de Valadares. Tropas auxiliares do Minho e do Douro (Viana, Guimarães, Chaves, Vila Real, etc.) asseguravam o confinamento por entre os protestos e manifestações - sim, manifestações !, os portuenses podiam adoecer, não podia é chegar ao resto do país... - locais; mas nessa altura, claro, já grande parte da população se tinha escapulido, o que ia dar ao mesmo. Ricardo Jorge passou a ter de andar sob escolta na sua cidade e entre os seus conterrâneos, talvez também por isso acabando por perder a paciência e se fixar em Lisboa, como Garrett e como Ramalho antes. Isto apesar de se ter sempre oposto (este ponto é importante) ao cordão sanitário. Em Lisboa, além de «patrocinar» o Instituto Nacional que depois lhe viria a tomar o nome, foi dirigir e reformar de alto a baixo a recém-fundada... Direcção-Geral de Saúde. Quanto à peste, se servir de termo de comparação, duraria cerca de três meses e pelas contas oficiais saldar-se-ia «apenas», salvo erro (desculpem o livreiro que leu sobre isto há muito tempo), em pouco mais de três centenas de infectados e pouco mais de uma centena de mortos. Muito à portuguesa, o isolamento terminava simbolicamente na véspera de Natal.

Em 1900 seriam pela primeira vez eleitos deputados republicanos às Côrtes, e os três pelo círculo do Porto - incluindo um jovem Afonso Costa que advogava e começava a conspirar politicamente na cidade. Supõe-se que a crise sanitária do ano anterior tenha sido um dos factores decisivos (além do velho republicanismo da Invicta) para a eleição.