Difícil seria não inaugurar esta série com o ex-libris que mais vezes vi e me passou pelas mãos: o de Petrus, advogado (mas pouco) e publicista portuense, figura lembrada como extravagante nos meios da cidade, reconhecido ainda hoje por alguma - heterodoxa - actividade política de oposição ao Estado Novo (foi um dos fundadores do MUD) e sobretudo pelas edições que patrocinou e, em alguns casos, promoveu ele mesmo na sua Arte e Cultura, de que destacaria a colectânea Documentos Literários, editora e reeditora de trabalhos de Fernando Pessoa; foi dele, por exemplo, o estudo (não muito brilhante, mas sempre procurado) sobre Os Modernistas Portugueses.
Era o homem senhor de biblioteca notável, das melhores por cá reunidas no séc.XX, agregadora de umas boas dezenas de milhar de espécimes - apontaria para 50/60 mil, só um alvitre, não podendo haver números seguros, até por dela ter sido entretanto perdida incerta parte. Criteriosa, com relativamente baixa percentagem de «monos», se não falha a memória, tinha a literatura lá a parte de leão, e nessa é preciso sublinhar tudo, ou quase tudo, o que houve de mais relevantes títulos dos nossos sécs.XIX e XX: destacando-se em edições originais uma importante camiliana e bastante completas bibliografias de Antero, Pascoaes e Pessoa (Mensagem incluída).
Ora, foi essa mesma colecção que começou por caber em sorte a quem isto aponta (também a Raquel Patriarca, rapariga de talentos vários que se pode ler aqui e em muita folha impressa, e de quem já por aqui se falou) quando novel estagiário na Faculdade de Letras do burgo, à qual coube a parte mais significativa do acervo; para a de Direito, pouco antes constituída, foi a jurídica, cerca de cinco mil volumes (de novo vem a memória pedir piedade, passada que é mais de uma década). Muitas atribulações depois, permanecerá elementar justiça reconhecer a estoutro bibliómano, apesar de nunca conhecido, morto havia muito tempo, uma fase bem significativa do desenvolvimento de um qualquer gene doentio que já por cá andaria mas só mais tarde se veio a notar, vicioso e viciado em livros antigos. Homenagem ou recriminação, se não ambas, aqui fica, pois. Suum cuique tribure.