Ao autor destas linhas (tem também o lume aceso, e põe agora mesmo mais uma acha na fogueira: 4º lá fora) sempre pareceu haver duas coisas que combinam particularmente bem com bons livros: o vinho tinto maduro e o fogo, lá está. Quanto à primeira combinação, já deve ter vindo nos genes paternais, e não haverá muito como a explicar a um abstémio ou a um iletrado. Quanto à segunda, dá pano para várias mangas. Desde logo, a de pensar na obsessão que os mais fanáticos dos não leitores - se lessem, passava-lhes depressa o fanatismo: remédio santo contra a guerra santa - sempre tiveram em queimar livros: é um clássico desde os inquisidores, com passagem pelos nazis, todos menos dados a ler do que apregoavam. Hipótese 1: quem não tem neurónios para queimar, e não escapa à pulsão pirómana do descendente de Neanderthal, opta pelos livros. Hipótese 2, nada incompatível mas de mais consequências: quem não lê, gosta de fazer arder os livros e mais quem os lê; quem não pensa, gosta de queimar quem pensa e o próprio pensamento (nota: ainda na chamada era digital, nada que simbolize o pensamento tão bem como um livro; não é só por não serem tão combustíveis, nem por serem consideravelmente mais caros, que ninguém queima e-books).
Alheia a todas estas e quaisquer outras considerações, a rapariga lê, e o fogão de sala, ao fundo, trabalha o tempo.
[Florence Fuller, que por 1900 pintou a óleo o quadro, chamou-lhe «Inseparáveis»]