
Construí a casa, plantei as árvores, minei as águas. Absorvi-me. Uma pedra basta, basta-me um tronco carcomido... Este tipo esgalgado e seco, já ruço, que dorme nas eiras ou sonha acordado pelos caminhos, sou eu. Sou eu que gesticulo e falo alto sòzinho, envolto na nuvem que me envolve e impregna. Que força me guia e impele até à morte?... Este sonho, reconheço-o, não é só meu - é o de minha mãe realizado, é o dos outros mortos que me rodeiam. E o meu sonho? - pergunto - o meu sonho quem o realizará jamais?...
(Não nenhum filho, que Raul Brandão os não teve, nem por isso nenhum consequente descendente, cuja tarefa seria aliás árdua: não fez o homem outra coisa senão sonhar, só nos intervalos escrevendo. A casa era a do Alto, em Nespereira, Guimarães. E o texto - mais tarde publicado no segundo volume das Memórias, com alterações pontuais e de plano - inicia Sombras Humildes: Páginas de Memórias, e saiu no n.º1 da Seara Nova, em 1921)