Passam hoje cem anos sobre o nascimento de Luís Dourdil, e era de adivinhar que a passagem fosse praticamente em claro num país que de arte sabe pouco ("quem não sabe arte, não n'a estima", já Camões percebera). Pintor interessantíssimo, desfez em meia-dúzia de penadas/pinceladas, como talvez mais ninguém português, a falaciosa dicotomia daquilo a que se convencionou chamar figuração e abstracção, com uma delicadeza tal e uma sensibilidade tão hábil no tratamento da cor cujo efeito conjunto não reflecte, como alguém disse, uma tensão permanente entre esses dois (falsos) pólos e antes um estado superior, aqui mais trabalhado do que intuído, onde eles nem sequer existem. Arte maior, em suma.
"Só me interessa a figura humana", dizia, mas é já uma figura com a lição cubista, de volumetria desobediente, a que a «realidade» - curioso como, não obstante, alguns neo-realistas a apreciaram muito, mesmo quando uma primeira vaga conotação social foi flagrantemente abandonada - não serve senão de mote. As figuras de Dourdil são quase sempre personagens descontextualizadas, sombras parecendo desfilar entre grutas, caves ou cavernas, aposentos comprimidos e toda a sorte de cenários fechados mais ou menos propensos à claustrofobia, tomando o espaço com o próprio peso; ou, mais tarde, fora do espaço puros enigmas, a que nem a pose oferece ensejo narrativo, só beleza agreste. Talvez não seja fácil gostar desta pintura, admita-se: em conforto, não abunda. Por outro lado, foi o pintor sempre homem discreto, quase lacónico, naturalmente* pouco dado aos circuitos e às capelas. Nem tudo isso junto, porém, explica, e muito menos justifica, o pouco caso que hoje se faz deste nome. Ainda por cima, lisboeta, embora nado e criado em Coimbra.
Conviria que ao menos este ano se dê a esta extraordinária arte alguma da muita atenção que ela exige. Não se entendendo que não venha a haver, no mínimo, uma grande antológica organizada por qualquer dos maiores expositores nacionais convenientes: MNSR, Serralves, Gulbenkian, Chiado. A que, salvo erro, nunca houve até hoje.
"Só me interessa a figura humana", dizia, mas é já uma figura com a lição cubista, de volumetria desobediente, a que a «realidade» - curioso como, não obstante, alguns neo-realistas a apreciaram muito, mesmo quando uma primeira vaga conotação social foi flagrantemente abandonada - não serve senão de mote. As figuras de Dourdil são quase sempre personagens descontextualizadas, sombras parecendo desfilar entre grutas, caves ou cavernas, aposentos comprimidos e toda a sorte de cenários fechados mais ou menos propensos à claustrofobia, tomando o espaço com o próprio peso; ou, mais tarde, fora do espaço puros enigmas, a que nem a pose oferece ensejo narrativo, só beleza agreste. Talvez não seja fácil gostar desta pintura, admita-se: em conforto, não abunda. Por outro lado, foi o pintor sempre homem discreto, quase lacónico, naturalmente* pouco dado aos circuitos e às capelas. Nem tudo isso junto, porém, explica, e muito menos justifica, o pouco caso que hoje se faz deste nome. Ainda por cima, lisboeta, embora nado e criado em Coimbra.
Conviria que ao menos este ano se dê a esta extraordinária arte alguma da muita atenção que ela exige. Não se entendendo que não venha a haver, no mínimo, uma grande antológica organizada por qualquer dos maiores expositores nacionais convenientes: MNSR, Serralves, Gulbenkian, Chiado. A que, salvo erro, nunca houve até hoje.
*(Acerca dessa natural reserva, há uma história - decerto verídica, contada que terá sido ao amigo por ele mesmo - engraçada, narrada por Namora num dos seus melhores textos, incluído no volume Resposta a Matilde, relatando a compra diária dos dois ovos que o artista religiosamente pedia numa pastelaria de Lisboa, quando trabalhava no mural do café «Império», e o crescente e quase desesperado espanto que provocava num dos empregados)
Dourdil não ganhou a vida com a pintura, o que por cá é aliás difícil ("estima", etc.). Foi artista gráfico de profissão, e chegou, numa actividade menos conhecida, a ilustrar vários livros - muitos do SPN, por exemplo (ninguém é perfeito). Talvez tenha havido bastante mais, mas fica uma pequena lista: a Antologia do Conto Moderno organizada por Gaspar Simões; a edição do Círculo de Leitores da Poesia Completa de António Nobre; e Marias da Minha Terra, de Alice Ogando.
Por outro lado, serão de destacar ainda os retratos que compôs de escritores portugueses, como o aludido Fernando Namora e Eugénio de Andrade, entre outros.
Por outro lado, serão de destacar ainda os retratos que compôs de escritores portugueses, como o aludido Fernando Namora e Eugénio de Andrade, entre outros.
O autor destas linhas aprecia-o particularmente.