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Páscoa e escritores «pascoais»

De modos mais ou menos voluntário e crente, devem nome à Páscoa (palavra derivada da hebraica Pessach, passagem: se do Mar Vermelho, êxodo, ou num sentido ainda ultra-metafísico, anterior, é ponto discutido) escritores em número assinalável. Desde logo, por cá, um tão heterodoxo e pouco devoto Teixeira de Pascoaes, que foi buscar pseudónimo à casa paterna onde passara e continuaria a passar a maior parte dos dias: o solar de Pascoaes, em São João de Gatão, Amarante. Mas a principal via é também nisto naturalmente a francesa, profusa em baptizados com o nome Pascal, próprio ou comum. Ainda há poucos dias se mencionava aqui Pascal Quignard, esse grande escritor contemporâneo desta nossa época de que bastante desdenha. Sendo Blaise Pascal - ou Pascal, assim sem mais - o senhor de fama dominante até agora, por entre matemáticas, filosofias e teologias.

[William Blake]
Há, de resto, todo um conjunto dos seus Pensamentos dedicado pelo  auvernês  à  angústia (a consagrada agonia  pode ser  ambígua, ninguém sabe) premonitória de Cristo, agregados sob a menção «O Mistério de Jesus». A páginas tantas, lê-se uma máxima feliz, que por isso foi ganhando entretanto o favor da glória: "Jesus estará na Agonia até ao fim do mundo. É preciso não dormir durante esse tempo" (citado de cor).
Fica  evidente a alusão a essa agonia antecipada no  Monte das Oliveiras, anti-Éden frequentado pelo Cristo em consecutivas noites anteriores (di-no-lo Lucas, 21) e na noite/madrugada de quinta para sexta-feira santa. Dos mais inquietantes episódios narrados ou sugeridos no Novo Testamento, cuja estranheza terá sobrenadado narradores e narração (excepção notável: a de João, único dos quatro então presente, referem-no os outros três, e que pura e simplesmente se abstém, chegado aqui, de continuar a narrar), afirmam Mateus, Marcos e Lucas que o Mestre, ao início da madrugada, pedira a Pedro, Tiago e João que velassem, atentos, e não adormecessem, enquanto se afastava "a distância de uma pedrada" para rezar, queixando-se por vez única no texto bíblico - salvo erro, já o apontava o autor - de tristeza, "uma tristeza de morte", ele que foi dela, mas viva, a personificação neste mundo. Estaria Jesus só, e os discípulos, aqui de todo irrelevantes (tal o capítulo seguinte demonstra), seriam «mera» projecção como tudo o resto, humana ilusão de companhia, vago consolo futuro do novo credo vitorioso? Estaria de facto acompanhado e o pedido, simbólico, aconselhava apenas vigília genérica contra o Mal, que há-de durar enquanto Tempo houver (interpretação de Pascal, comummente aceite; e também aqui viria à colação Quignard, que desenvolve algures a ideia de o Tempo ter começado com a consciência da predação: a projecção da morte na presa)? Escusado elaborar hipóteses. Fosse ele Filho do Homem ou de Deus ou ambas, parece ultrapassar o nosso entendimento, mais a mais tão diferido, e não muito ajudado por uma quanta, típica e talvez forçosa confusão evangélica, de resto pobre nas pistas que deixa (o dogma da revelação divina das escrituras será, até para os fiéis, posto que as leiam, difícil, muito difícil de acreditar). Invejável a fé, que não aspira a entender ou se despista.