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Quem não tem gato, caça com pão

Em Portugal, neste momento, as livrarias não podem estar abertas ao público mas as pastelarias podem, porque os pastéis são obviamente essenciais à saúde mas os livros, mesmo numa altura de confinamento, não. O mesmo para as tabacarias, com as essencialíssimas raspadinhas e os essencialíssimos totobola do essencialíssimo futebol e totoloto da essencialíssima Santa Casa da Misericórdia (misericórdia é coisa que nunca pode faltar a quem nos desgoverna).
Por outro lado, as livrarias estão fechadas mas os hipermercados estão abertos, o que contraria uma regra sanitária básica que aliás se manteve em vigor antes do confinamento geral: só podia abrir ao público o estabelecimento que tivesse porta a dar para a rua, de modo a manter-se minimamente arejado e ventilado.  
Por outro lado ainda, as livrarias estão fechadas mas as Fnac's e agora também as Bertrand's estão abertas. (Palavra de honra, é verdade).
Tudo isto diz tudo sobre a política cultural do governo português, no qual a «Ministra da Cultura», espantosamente em funções num segundo mandato, mesmo depois por exemplo da vergonha que foi ter Portugal como país homenageado na maior feira do livro da América e as estantes do pavilhão português ficarem vazias (!), é a assessora de António Costa, cujo currículo para o cargo era mesmo esse, ser a assessora de António Costa. Só em Portugal.

A isto acresce um Presidente da República que quer agora que os livros sejam vendidos em hipermercados continuando as livrarias obrigatoriamente fechadas (!-!).
Era aquilo que a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), a representante dos interesses dos grandes grupos editoriais como a Porto Editora e a Leya, queria.
Para quem não saiba, Marcelo Rebelo de Sousa promove anualmente nos jardins do Palácio de Belém uma feira do livro organizada pela... APEL. 
Talvez esteja percebido.

Em resumo: 
Querem ir comprar livros às livrarias onde provavelmente se cruzarão só com um livreiro com a porta aberta? Não podem. Querem ir comprar lixo literário aos hipers onde provavelmente se cruzarão com um ror de gente sem porta aberta? Podem.

Não se percebe se isto é mais estúpido do ponto de vista sanitário, do da livre concorrência (desleal) ou do da política cultural. 
Parece absurdamente estúpido de todos.
Mas há muitos, muitos negócios ocultos entre os grandes grupos editoriais e o estado português. O leitor comum nem imagina, e mesmo nós, livreiros, talvez não ouçamos falar sequer de metade. 
Talvez esteja percebido também.

Durante muitos anos, habituámo-nos a ver o Estado português assobiar para o ar perante as grosseiras violações da lei e concorrência desleal que as livrarias capitalistas se habituaram a fazer. Agora é pior: é o Estado a patrocinar directamente essa concorrência desleal, ainda por cima desrespeitando ele próprio as regras sanitárias que ele próprio tinha começado por impor.

É Portugal, ninguém leva a mal.