A doença da escrita, o mal d'écrire, como lhe chamam em França, ataca indistintamente toda a gente, sem diferença de idade, nem de sexo, nem de caligrafia, nem de coisa nenhuma, - pessoas vacinadas e por vacinar, livres do recrutamento ou ainda sujeitas ao tributo de sangue, com folha corrida ou sem haverem corrido essa folha, sãos como sãos, doentes como doentes, em maca, ou pelo seu pé. É a grande epidemia cerebral do nosso fim de século, caracterizada pelas hemoptises da tinta, pelo vómito negro da prosa. E o grande horror deste contágio, é que o contaminado engorda na mesma peçonha que destila, e, maçando em tão prodigiosa maneira os outros, nem morre, como tanto seria para desejar, nem sequer sofre nada ele mesmo; antes se tem notado, com estupefacção, que quem pior escreve melhor passa!
Ramalho Ortigão, «Carta a D. Guiomar Torrezão», 1892 (Almanach das Senhoras para 1893). A prosa é de há 123 anos. Não viu o homem da missa a metade. A bem dizer, não viu nem um décimo.
Ramalho Ortigão, «Carta a D. Guiomar Torrezão», 1892 (Almanach das Senhoras para 1893). A prosa é de há 123 anos. Não viu o homem da missa a metade. A bem dizer, não viu nem um décimo.