
Há pelo menos dois comentários a fazer sobre isto. O primeiro, para notar como a nossa contemporânea e envelhecida idade é talvez, no seu oco culto do novo (da imagem, do corpo, do objecto «útil», tudo o que é efémero), paradoxalmente a mais anti-natura, digamos mesmo alienada, da história da espécie humana, que passou a fazer-se esquecida da morte própria e da alheia, fugindo do tema enquanto enfia os progenitores no lar de terceira idade mais próximo: porque, enfim, há domingos para passar na placidez de um centro comercial. Já bastantes gregos e chineses escreviam, há três milénios, que do mundo o que interessa é o antigo, o perdido. Por alguma razão os velhos, já que deles se trata, têm memória especialmente apurada quanto à infância, mais longe, e memória imediata inútil. Toda a nostalgia e toda a melancolia dos homens provêm justamente daí: a Idade de Ouro é sempre o passado, nunca o futuro, salvo nos slogans da publicidade capitalista e da propaganda comunista.
O segundo, para um curiosíssimo e inesperado contraponto. Enquanto tantas livrarias alfarrabistas, e até algumas antiquárias, desvalorizam de modo mais ou menos consciente o livro antigo, baixando-lhe amiúde os preços ao ponto da concorrência desleal nos novos, seja pela dita cuja ou por simples desespero; enquanto isso, a Bertrand, num centro comercial - ei-lo - desta mesma cidade, resolve expor uma módica prateleira de livros mais velhos (não muito: anos 40 e 50), técnicos, de baixo valor no mercado especializado, por... 30 e 40€. Juro outra vez que não estou a inventar. Shopping Center Dolce Vita, para quem queira conferir. Compreensivelmente, continuam lá até hoje.
O segundo, para um curiosíssimo e inesperado contraponto. Enquanto tantas livrarias alfarrabistas, e até algumas antiquárias, desvalorizam de modo mais ou menos consciente o livro antigo, baixando-lhe amiúde os preços ao ponto da concorrência desleal nos novos, seja pela dita cuja ou por simples desespero; enquanto isso, a Bertrand, num centro comercial - ei-lo - desta mesma cidade, resolve expor uma módica prateleira de livros mais velhos (não muito: anos 40 e 50), técnicos, de baixo valor no mercado especializado, por... 30 e 40€. Juro outra vez que não estou a inventar. Shopping Center Dolce Vita, para quem queira conferir. Compreensivelmente, continuam lá até hoje.
Lamentava-se o nosso «velho» épico do desconcerto do mundo, que os homens fazem a todo o tempo andar ao contrário, sobretudo se portugas. E não chegou a assistir a isto. Ou de como o ditado "A galinha da minha vizinha etc.", ainda que escrupulosa e universalmente repetido, convirá sempre q.b. ao galinheiro mais rico. Chama-se a isto, lá está, «capitalismo». Sem que se perceba muito bem porquê, parece que as pessoas gostam mesmo dele. Há gostos para tudo. Até masoquistas.