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Intertexto (II): Asnos, cavalos, bestas

Uma das engraçadas anedotas acerca de Camilo que ficaram na tradição popular, quase apetecendo jurá-la verídica, conta que, passando ele algures perto de Seide montado num burro, se cruzou com um (morgado? «brasileiro»? novo-rico qualquer? não recordo onde a li) figurão da terra, a cavalo, que lhe perguntou, provocador: "Como vai Sua Excelência o burro?" Resposta pronta: "Vai muito bem, vai a cavalo".
 
Chega imediatamente ao adro da memória, mesmo por ínvios caminhos, quando se lê esta composição de João Penha, minhoto ele mesmo:


Dois asnos

Um cavallo, que tinha o rei no bojo,
Disse ao magro jumento de um moleiro
- Da minha raça, tu ! causas-me nojo;
Tu fazes rir ; és menos que um sendeiro.
      A mim me adornam selas e xaireis,
      Magnificos arreios e gualdrapas ;
      Em mim cavalgam principes e reis,
      Homens de guerra e belas damas guapas.
E tu, que sobresaes pelas orelhas,
Sobre essa albarda que te adorna a espinha,
Que levas, asno? diz. Canastras velhas,
Teu dono: um ôdre, ou saccos de farinha.
      - E' verdade o que dizes - disse o burro, -
      Sou humilde, nem pompas alardeio;
      Mas trago a bôca livre, e livre zurro,
      E tu, pedaço de asno, andas de freio.