“Vivia-se bem, facilmente e sem preocupações nessa Viena
de então. Os germanos do norte olhavam para nós, seus vizinhos das margens do
Danúbio, mal-humorados e um pouco desdenhosamente. Consideravam que não éramos
suficientemente «inteligentes» e que em vez de mantermos rigorosa ordem na
nossa maneira de ver, nos permitíamos uma vida de prazer: comíamos bem,
divertíamo-nos melhor em festas e teatros e, além disso, tocávamos excelente
música. Em vez da «inteligência» alemã, que afinal só tem perturbado e
amargurado a existência dos outros povos, em vez da alucinante tendência alemã
para suplantar todos os outros e para avançar continuamente, preferíamos nós a
conversa agradável e amena e um tanto afável, deixando que, num espírito de
bondosa tolerância que talvez tivesse um pouco de negligência, cada qual
vivesse à sua maneira (...) Ricos e pobres, checos e alemães, judeus e cristãos
todos viviam em paz, apesar de algumas e eventuais divergências. Na Áustria,
até os próprios movimentos políticos e sociais estavam isentos daquele ódio
brutal que só mais tarde, como resíduo venenoso da primeira grande guerra,
haveria de penetrar nos hábitos e nos costumes da época”
(Stefan Zweig, O Mundo de Ontem: Memórias de um Europeu)