“Certo dia, ouvi bater à porta da minha casa. Fui abrir e
eis que se me deparou um soldado muito pouco marcial. Mas o meu espanto foi
enorme quando notei que tinha Rilke na minha frente. Era verdade – Rainer Maria
Rilke envergara o uniforme militar !
Adivinhava-se imediatamente que se sentia bem pouco à vontade dentro
dele. Parecia que o colarinho lhe apertava o pescoço e estarrecia ante a
perspectiva de ter de fazer soar os tacões das botas quando forçado a
perfilar-se em frente de qualquer superior. O seu velho desejo de fazer tudo
com esmero também então se manifestava, levando-o a cumprir impecavelmente
todas as ninharias do regulamento militar. Mas esse desejo infundia-lhe uma
constante inquietação. / «Não imagina como desde cadete detesto o uniforme
militar. Julgava nunca mais o vestir e eis que, agora, aos quarenta anos, sou
obrigado a fazê-lo!». O seu infortúnio durou, porém, pouco tempo, felizmente,
pois houve quem o protegesse. Submetido a uma benevolente inspecção médica, foi
a breve trecho dispensado”.
(Stefan Zweig, O Mundo de Ontem: Memórias de um Europeu)