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Afonso Ribeiro e o Neo-Realismo em Portugal


Parece discutível, e vai aqui tentar-se brevemente demonstrá-lo, um velho apontamento que confere a Afonso Ribeiro lugar destacado, ainda que de rodapé, na história da literatura portuguesa, enquanto precursor do nosso neo-realismo (do qual o autor destas linhas está, em todo o caso, longe de ser especialista).
Do ponto de vista geracional, nem há debate: o escritor nasceu em 1911, ano de nascimento de Redol e Manuel da Fonseca; Soeiro Pereira Gomes, antes, em 1909; para não chamar agora José Gomes Ferreira. E a actividade de editor e colaborador da revista portuense Sol Nascente, durante os anos das polémicas com os presencistas que serviram de incubação ao movimento, não se pode dizer antecessora (nessa, n'O Diabo e em Altitude, como em muitas outras revistas literárias não tão vinculadas, escreviam pela mesma altura Álvaro Cunhal, Álvaro Salema, Alves Redol, Joaquim Namorado, José Rodrigues Miguéis, Mário Dionísio, exemplos). Pelo que o mote só poderia ser a data de edição - 1938 - de Ilusão na Morte, seu primeiro livro, de pequenas novelas e contos, publicado.

Acontece, por um lado, que estes contos soam ainda balbuciantes e bastante afastados daquilo a que, a posteriori, se chamaria hoje estética neo-realista, cujo ensejo de denúncia social é só mais reconhecível em Plano Inclinado (aliás, mais na reescrita, Maria, Escada de Serviço, já de 1946) e, sobretudo, em Povo, 1947; quase tanto como As Sete Partidas do Mundo, publicado por um Namora oito anos mais novo, dezanove de idade, igualmente em 1938. Por outro, e mesmo que assim não fosse, a custo se poderia atribuir a esse primeiro título qualquer espécie de influência literária, rigorosamente precursora, sobre os próprios companheiros de geração, uma vez que Gaibéus, de Redol, sai logo em 1939, e Esteiros, de Soeiro, em 1941 - estes dois romances sendo, com razoável critério, considerados quase sempre os dois livros fundadores da escola por estas bandas, e ambos começados a escrever bem mais cedo, sem plausível influência (no caso de Gaibéus, maioria de razão cronológica) determinante por Ilusão na Morte.  
Ilusão viva, portanto, sê-lo-á decerto este lugar-comum, que talvez apenas a  proverbial força do atrito  ajude a explicar. Afigurando-se mais justo, apesar de uma ainda sobre-excessiva rudeza de composição, ver no homem um neo-realista como os demais, ou disso afim. A querer precursores, ter-se-á de os buscar nos sim mais velhos  Raul Brandão das figuras - sempre as mesmas - encarvoadas de miséria (embora o acento esteja mais  na psicológica do que na física) de Húmus, de Os Operários, de Os Pobres e do último O Pobre de Pedir, Aquilino Ribeiro quando às vezes metia na prosa a mudança de velocidade revolucionária e, já quase não-lido, um certo Ferreira de Castro: todos três, por coincidência, homens da Seara Nova que testemunhou a transição da velha oposição republicana para a nova resistência, de inspiração e ideário, marxista. Além de um nome pouco avocado a este propósito, o de Bento de Jesus Caraça, saindo já dos estritos domínios literários. Afonso Ribeiro não foi precursor, foi percursor: quando muito, pioneiro, o que já não é pouco (haverá até quem ache melhor). Parece isto evidente, e parece incompreensível que se entenda o contrário.  
 
(Outros quinhentos, nada pequenos, ainda agora definir ao certo  o que fosse o neo-realismo português. Um critério demasiado apertado, próximo da noção de realismo político/realismo socialista, é escasso na função operatória e não filtraria, entre os nomes principais, mais do que os aludidos Redol e Soeiro, senão a espaços - algum Manuel da Fonseca, por exemplo. Um critério largo, o habitual, apanha de tudo e tem o problema acrescido de nem assim bastar para neo-realistas que nunca o foram a não ser de longe, como esse belo poeta e bom prosador, Carlos de Oliveira; já não metendo ao barulho simples compagnons de route mais ou menos pontuais cujo desalinho é óbvio, de Vergílio Ferreira a Cardoso Pires. Questão difícil de resolver, mesmo dando de barato a facilidade categorial dos estudos literários. É que as limitações e os perigos do  conceito de geração  surgem aqui excessivamente nítidos. E a proporção de gente de primeiro plano afastada para trilhar caminhos «individuais» será talvez inédita - nem a da rival Presença a iguala - em toda a nossa literatura desde que eles, os movimentos literários, existem. O que, sem a este diminuir os méritos, lhe deve denotar a insuficiência artística do programa e vir em abono da tese de a arte estar bem acima da vida; e da política, por conseguinte. Dando razão, neste ponto, a Régio.)