Morreu o poeta Francisco Brines, último Prémio Cervantes (em 2020). Há dele uma antologia poética, já fora de circulação, publicada pela «velha» Assírio & Alvim em 1987 com tradução do também recentemente falecido José Bento - «Ensaio de uma Despedida» .
Aqui fica a nossa única tradução de um poema do homem, acerca dos pais de quem herdou a casa de família aonde voltou após longa vida itinerante e onde deixa uma fundação/biblioteca com dezenas de milhares de volumes; e aos quais no discurso de agradecimento dedicou o prémio:
I
O campo, escuro; longe, ao mar,
as luzes. E um pássaro nocturno.
Sentado está meu pai,
com odor de laranjeira entre os dedos
e o rosto prateado. Espera.
E num passeio longo,
de rezas e vigilância do jasmim,
minha mãe está esperando.
Baforadas de tempo
sobem à varanda, desde lá observo
a sua saudade, as suas sombras. Nesta casa todos
estamos esperando quem nos nega.
II
O campo, escuro; longe, ao mar,
as luzes. E um pássaro nocturno.
Com rosto prateado, e fundo odor
de laranjeira, espera um homem.
E uma mulher espera, vigiando
o jasmim. São dois estranhos.
Olhei desde a varanda,
e na varanda não havia ninguém.