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O poeta e os mestres: segundo acto


Herberto Helder, personagem pouco frequentadora de mestrados em geral, é um malandro. Vejam bem: publicar edições limitadíssimas de cinco-mil-exemplares de livros de poesia numa terra em que, manifestamente, eles se comem ao pequeno-almoço, como se fossem grande coisa, a “armar em autor de culto”. Estúpida extravagância. Como se, aliás, autor e editor se pudessem reservar, seja por que razão seja, qualquer espécie de direito de definir a tiragem de uma edição. Como se, aliás ainda, mais exemplares proporcionassem mais vendas, assim estando ambos a abdicar de receitas directas. Como se, em suma, isto fosse uma economia de mercado. 

Tão malandros quanto ele, os livreiros que açambarcam exemplares – há quem chegue a comprar 4 ou 5, imagine-se – para depois os venderem com lucro. Vejam bem: comprar livros ao preço editor e depois vendê-los mais caros quando esgotados, ou seja, quando a procura ultrapassa marginalmente a oferta. Bando de especuladores. Como se fosse legítimo vender livros raros dos quais depende a alimentação – ainda por cima, tão sazonal e tardia – do povo. Como se não fossem profissionais subsidiados a eito pelo Estado, lhe pagassem impostos e precisassem de qualquer espécie de mais-valia para ganhar a vida. Como se, outra vez, (sobre)vivessem numa economia de mercado. 

Só não são malandros, claro, os milhares (milhões? às tantas...) de leitores putativos que, de facto, só não compram o livro porque não podem. Não podem telefonar para as livrarias a reservá-lo, porque dá isso o considerável trabalho de marcar algumas teclas no telefone. Não podem lá ir depressa, porque esse esforço, o da propositada deslocação, ainda é mais significativo. E, de resto, o princípio estaria errado: não faltava mais nada do que um leitor ter de ir de propósito a uma livraria para comprar um livro que diz querer, como se este não devesse ficar disponível e inesgotável o tempo que preciso fosse. “Agora não, que é hora do almoço; agora não, que é hora do jantar...”. Portugal é sim o país de mais injustiçada gente que se conhece. Não somos campeões do mundo (e arredores) porque não nos deixam, não perseveramos porque não nos deixam, não parecemos educados nem nos comportamos com um módico sequer de civismo porque não nos deixam. Não lemos porque não nos deixam, pelos vistos. Se calhar, também só não raciocinamos porque não nos deixam.
 
Tudo julgado, todos justíssimos  os protestos que por aí fora lavram. No que toca ao poeta, restará expulsá-lo da República, antigo e platónico desiderato aqui inócuo: num país de tanto vate, nem se lhe vai notar a ausência.