Pasquinadas (jornal dum vagabundo) ― quarta edição
Porto: Livraria Chardron, de Lélo & Irmão, L.da, editores – Rua das Carmelitas, 144 (Aillaud e Bertrand – Lisboa - Paris). [S/d - 1923?]. In-8º de 380 [aliás, 382], [2] págs. Enc.
Exemplar da série encadernada pela editora em percalina relevada, com gravações a dourado sobre lombada e frente.
14€
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FIM DE ANO
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31 de Dezembro, à meia noite.
Na ratoeira do tempo ainda ignòbilmente está a agonizar 89, e já ao faro do queijo, o ratinho de 90 se prepara a esfusiar pela portinhola do cárcere, a sua cabeça aguda e chata de roedor.
Não tenho esperança de que êste valha mais e produza melhor do que o seu camarada assassinado: porquanto à corrosão do ano vélho virá juntar-se a corrosão do ano novo, e pelos buracos que êle fizer nos andrajos dos nossos costumes, dos nossos desmazelos, e dos nossos vícios, não transparecerá mais do que um corpo social inválido e esquelético, incapaz de reacção, de esfôrço, ou de actividade, e irremediàvelmente votado à morte moral, que é, na escala da ignomínia, o mais cruel de todos os castigos.
Êle aí vem, 90 !... com o mesmo parlamento a esbarrondar de intrigas e ambiciúnculas corriqueiras, a mesma bobage torva nas cumieiras do Estado, a mesma inanidade nos tipos, a mesma falta de iniciativa nos caracteres, e esterilidade idêntica nos ventres das mulheres, no cérebro dos homens, e na cornucópia sôfrega dos argentários.
90 é mais um acto desta farçada de vida em que os homens se entrechocam, como Polichinelos, sem o respeito que salvou a geração de nossos avós, e sem o desprêzo que foi longos anos a grande fôrça cívica de nossos pais.
— Rato de esgôto, passa depressa, e livra-nos de ti !