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Natal

"Ah! Não se imagina nas províncias do sul do reino o que seja o Natal das cidades e aldeias do norte! Em Lisboa, ninguém daria tento da véspera desse dia tão profundamente solene para os povos cristãos se, ao bater da meia-noite, não repicassem os sinos de algumas igrejas convidando a uma imoral patuscada religiosa que se chama - a missa do galo. De resto, apenas algumas famílias fazem, sem o mínimo carácter de doce intimidade e de respeitabilidade sagrada, uma pequena festa, - a que chamam insignificantemente - fazer a meia-noite. Ora fazer a meia-noite não é reunir-se uma família inteira à mesma mesa para, entre risos de alegria e lágrimas de saudade, lembrar os seus ausentes e os seus mortos; para agradecer a Deus a vida e por ventura a saúde dos velhos que ali estão, cercados de netos que saltitam, que chilreiam, que doidejam: para fazer votos em comum pela felicidade de todos; para realizar um acto ao mesmo tempo profundamente melancólico e profundamente ridentíssimo, cheio de memórias e de esperanças - a ceia do Natal, a consoada. Fazer a meia-noite é um simples pretexto para comer bolos, estes bolos coloridos e delicados, que se impõem à gulodice de Lisboa como uma das suas não menores tentações. E todavia esses que em Lisboa passam distraidamente, à mesa dum botequim, como qualquer outra noite, a da véspera do Natal, estão muito longe de pensar que agridoces saudades pungem nessa noite o coração dos que, tendo nascido no norte, estão longe do seu lar e da sua terra, da sua mesa de família, onde o seu nome é lembrado a essa hora por todos os que ainda se podem sentar a ela num doce agrupamento de pessoas e afectos!" 

(Alberto Pimentel)