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Cem anos de solidão

Faz hoje cem anos que Mário de Sá Carneiro, para variar de Camilo, Antero e Laranjeira, se envenenou em Paris num final de tarde de Primavera, mais ou menos por esta hora. Uma pessoa matar-se em Paris e em plena Primavera parece duplamente inexplicável (apesar de Celan, que fez o mesmo em 1970), mas pode supor-se, querendo armar biografias, que as razões imediatas terão sido, fundamentalmente, duas: a paixão e consequente desatino por uma criatura não muito recomendável, maxime; e o prévio desânimo pela frustração dos planos de Orpheu 3, cuja fácil desistência talvez indiciasse desânimo, fundo, já anterior.
 
Fernando Pessoa, o amigo (por correspondência) dilecto, viria a editar-lhe grande parte dos poemas manuscritos e talvez a aproveitar, para conta própria, os fragmentos. Mas isto, que parecerá uma póstuma boa notícia, é de facto má. Pelo simples facto de que Sá-Carneiro era um poeta superior a - ou pelo menos globalmente mais interessante do que - Pessoa. Isto parecerá polémico, e poucos acompanharão o autor destas linhas, mas entre esses poucos há nomes de respeito: Régio e António Maria Lisboa à cabeça.
Vindo A. M. Lisboa muito a propósito, porque também prometia bastante e porque também morreu com a mesma temporã idade: 25 anos. Ficará sempre por saber quão alto voariam estes dois cavalheiros, se não tivessem seguido duas grandes tradições dos poetas portugueses: o suicídio (Antero, Laranjeira e menores) e a tuberculose (Nobre, Duro, Cesário, etc.).
 
Tese: um tipo como Sá-Carneiro nunca deixaria de se suicidar. Uns, ameaçam muito e nunca fazem. Outros, ameaçam porque mais cedo ou mais tarde vão mesmo fazê-lo.
"Ah, o mal dele foi mimo", "ah e tal, o mal dele foi nunca ter trabalhado". Não é nada líquido. "Sagra sinistro a alguns o astro baço", cantou o amigo Pessoa a propósito de Gomes Leal, e muito melhor o cantaria a propósito deste saturnino «Esfinge-Gorda».