"Cá vim encontrar o Raul Brandão morto, com a esposa desolada, a beijá-lo e a afagar-lhe uns restos de cabelos brancos que lhe fugiam do alto da testa mais ampla e cor de cera. Parecia dormir, emagrecido, o nariz mais saliente e fino, a boca desaparecida quase, como o bigode e as sobrancelhas dando-lhe ao rosto o aspecto duma verdadeira máscara de cera ou de marfim: a máscara ascética dum Santo.
Numa salinha contígua, um cunhado, três sobrinhos e duas sobrinhas (uma delas cho...rava constantemente) e o Mário Beirão. Lá fora, a rua deserta, num deserto que abrangia toda a cidade.
Demorei-me, com a Miquelina, até às 8 horas da manhã. Descansámos até à uma hora e voltámos para junto do querido morto que foi o melhor amigo que tive em Portugal e um dos maiores intérpretes da Dor humana.
Às três horas, saiu o enterro, com meia dúzia de pessoas, debaixo duma chuva constante. No cemitério, um cavalheiro de exótica figura, pede a palavra para dizer só três palavras: foi um bom!
E aqui tens o elogio fúnebre do maior escritor de Portugal!"
Demorei-me, com a Miquelina, até às 8 horas da manhã. Descansámos até à uma hora e voltámos para junto do querido morto que foi o melhor amigo que tive em Portugal e um dos maiores intérpretes da Dor humana.
Às três horas, saiu o enterro, com meia dúzia de pessoas, debaixo duma chuva constante. No cemitério, um cavalheiro de exótica figura, pede a palavra para dizer só três palavras: foi um bom!
E aqui tens o elogio fúnebre do maior escritor de Portugal!"
A 5 de Dezembro de 1930 morria Raul Brandão. O outro grande gigante da prosa portuguesa escrevia no dia seguinte esta carta à irmã Maria da Glória, que a reproduziu em Olhando para Trás Vejo Pascoaes.